quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Tentando entender se o bom dia distante que havia escutado fazia parte do seu sonho ou não, Felipa se esforçou para se lembrar que dia da semana era e descobrir se realmente estava sonhando, se moveu e a parte fria da cama a fez lembrar que era segunda-feira, dia chuvoso, um pesadelo, a frustrou.

Abriu um olho e não o fechou bruscamente como é de costume fazer em dias claros, olhou em volta, tudo como tinha sido deixado antes de dormir, um caos total, abriu o outro olho e ambos, num impulso, se fixaram no relógio digital do criado mudo, marcava 6:23. Para ela, segunda é o melhor dia da semana, com exceção das segundas chuvosas e especialmente essa segunda.

Sentou-se na cama com os pés no tapetinho que ganhou de herança da tia Carmen - tia que nunca se casou e nem, muito menos, teve filhos ou animais domésticos, que cuidou da sua casa e mais especificamente dos seus móveis comprados em brechós tão bem quanto cuidou de falar mal da vida alheia, enquanto era viva -, bocejou uma vez e se levantou em direção ao banheiro, onde estava o seu querido Isaque escovando os dentes e já vestido "a caráter" para um longo dia de trabalho. Ela sussurrou um bom dia que foi retribuído com um ruído estranho no momento em que ele fazia gargarejos.

Felipa foi em direção a sala e depois à sua cozinha americana, se sentia uma estranha dentro do seu próprio apartamento, tropeçou duas ou três vezes numas almofadas espalhadas pelo chão e quando finalmente encontrou a garrafa térmica, em cima do balcão, e colocou o café de ontem em uma xícara qualquer, o tomou com todo prazer.

"Segunda é dia de decisões" ela pensava, e realmente essa teria de ser. Estava insuportável a convivência com o seu querido Isaque, ele fazia de tudo para agradá-la, mas o seu muito, há muito, era só um pouco mais do que o necessário. A relação tinha caído na monotonia, a casa vivia bagunçada, o coração e sentimentos de Felipa também estavam assim. Nos últimos meses ela procurara ajudá-los, conversara, fez com ele o que queria que fosse feito com ela, tentara ser paciente e não se permitira ser tomara pelo impulso de agir como louca, gritando e jogando na cara dele toda a sua angústia de conviver com alguém tão perto e tão distante. Porém, ele continuou o mesmo desde as primeiras conversas e ainda agia como se nada estivesse acontecendo.

Felipa se questionava se era verdade que ele achava que estava tudo bem entre eles ou se ele ignorava tudo isso propositalmente se fingindo de otário só para constrangê-la. Idependente da resposta, uma coisa era certa, ela tentou, ele não fez nada para mudar e agora era a hora de partir para o plano "b".

Perdida em seus pensamentos, Felipa quase não notou que Isaque havia chegado no corredor da sala perguntando alguma coisa à respeito da sua gravata e ela, mesmo sem saber a pergunta e a resposta, fez que sim com a cabeça enquanto mantinha o olhar ainda fixo em um porta retrato com a melhor foto de casamento dos seus pais preso na parede do lado esquerdo do cômodo. Fazia quantos anos que ela não os via? Quatro, cinco... Não conseguiu se lembrar e esse detalhe não faria diferença nenhuma agora. Enquanto morava com eles não tinha proximidade, não tinha intimidade, não tinha carinho, não tinha apoio. Veio em sua mente flashs das poucas vezes em que ainda com a inocência de uma menina e sem mágoa sentara no colo do seu pai ou pedira um beijo a sua mãe.

Isaque estava organizando a sua pasta de documentos quando Felipa, com os olhos brilhando de lágrimas e tentando disfarçar com as palavras, disse:

- Você quer que eu te prepare um leite quente? Você já pegou a sua capa de chuva? Está frio, não é? Parece que choverá muito hoje... - se aproximou dele, apertou melhor a gravata que estava meio torta e, finalmente, deixou escapar:

- Sentirei a sua falta, você sabe que és tudo que tenho.

Após um longo beijo na testa de Felipa, Isaque sorriu para ela e a corrigiu:

- Nós somos tudo o que temos! Prometo tentar chegar o mais rápido que eu puder. Me deseja um bom dia?

2 comentários:

Ana Paula Borges Pereira disse...

Posso dizer que arrepiei com o final? ^^
Lindo Lua!
Tomara q eles valorizem o que tem entao, rs, e parem de deixar a felicidade pra depois. =)

Mar disse...

Aléxia
Lindo, comovente, um texto enxuto, de movimento muito verdadeiro, detalhes suaves acrescidos em doses perfeitas, obra de uma contista-romancista plena, pronta para editar. A valorização dos relacionamentos é uma arte perdida de nossa sociedade consumista-imediatista. Relacionamentos ficam para quando a estabilidade financeira permitir.
Encantado. Sabe bem o quanto reconheço seu enorme talento.
Beijo carinhoso
Lello